Esta é a história de uma estrela ‘pop' britânica dos anos 70 que se tornou produtor de vinho em Portugal.
"It was love at first sight", explicou-nos Cliff Richard. Mas, não se pense que o cantor era apenas um turista excêntrico deslumbrado com o sol do Algarve. O então cantor comprou uma quinta na zona de Albufeira e quis "mantê-la viva", conta.
E tudo começou assim: passava o ano de 1951, quando Cliff Richard visitou Portugal pela primeira vez. O seu ‘manager' tinha acabado de comprar seis casas na Guia e disse-lhe: "se quiseres uma podes comprá-la". Bastou uma semana a viver nela, foi amor à primeira vista, como Sir Richard gosta de dizer. "Comprei uma casa que é uma grande quinta e queria que a quinta continuasse viva".
Foi assim que Cliff Richard, mais habituado aos palcos do que à vida do campo perguntou ao caseiro o que poderiam plantar naquele terreno para se vender. O caseiro não arriscou muito: figos. E lá se plantaram figos.
A Quinta do Moinho, onde fica a propriedade de Cliff Richard, produziu figos durante vários anos. Mas "depois conheci um viticultor australiano, o Richard Smart,que me disse: ‘devias plantar vinhas e fazer vinho'. Eu respondi: ‘o Algarve não é famoso pelos seus vinhos. E ele disse: ‘isso é só porque ainda ninguém fez um bom vinho, mas podes ser o primeiro'. Eu disse-lhe que só se ele me ajudasse porque eu não sei fazer vinho, eu sei cantar mas não sei como fazer vinho", reproduz o artista convertido em produtor de vinho.
É em 1997 que, com o apoio de Nigel e Lesley Birch, e Max e Michelle Birch, proprietários de outras duas quintas no Algarve, que o projecto ganha dimensão: da união das três quintas - Quinta do Moinho, Quinta do Miradouro e Quinta do Vale Sobreiro - nasce a Adega do Cantor, que tem actualmente 25,5 hectares de vinha, onde são produzidos tintos, brancos, rosés e espumantes.
"Aprendi imenso sobre vinhos, nunca me tinha apercebido que é uma autêntica ciência e depois é assim: se produzes vinho és agricultor, e aprendes a estar dependente do tempo, mesmo que seja um mau ano. De facto, o vinho do Algarve não é o mais conhecido e conceituado quando se fala em vinho português, mas Cliff Richard reclama para si o título de ter sido "o primeiro a fazer um bom vinho no Algarve". Admite que, hoje em dia, já tem vários concorrentes e "muitos também com vinho muito bom" e lembra os vários prémios que as suas colheitas têm recebido - foi a primeira adega algarvia a receber uma medalha no concurso Internacional Wine Challenge, com o Vida Nova Tinto 2004 e a primeira adega algarvia a receber uma medalha de prata no International Wine and Spirits com a mesma colheita, além de várias medalhas de ouro e prata que o Branco e o Reserva Tinto receberam no ano passado em Munique e Berlim - para justificar o facto de só beber do seu vinho. "Porque é que hei-de beber o vinho de outra pessoa qualquer, se o meu é realmente bom? Portanto, eu levo o meu para qualquer lado onde vou", diz. Ainda que isso implique ter de levar caixas e caixas para os Barbados, onde passa ao lado dos três meses do rigoroso ‘british winter'.
Aos 72 anos continua ‘bon vivant' e vive permanentemente no Verão, mesmo que isso implique mudar de fuso horário em casa três meses. "O sol faz-me bem e faz bem à pele, estou sempre bronzeado", brinca.
Mas, afinal, o que faz do Vida Nova e do Onda Nova - nomes que ilustram bem o caminho que a sua vida tomou depois de se dedicar à Quinta do Moinho- bons vinhos?
"Não sei o que faz a diferença, mas obviamente fomos os primeiros a fazer um bom vinho no Algarve", diz para justificar o sucesso da sua produção. Mas acaba por explicar que "o Algarve é uma região óptima para a produção de vinhos frutados devido à brisa do mar que tempera o sol abrasador e aos solos calcários, com pouca água, que favorecem a maturação das uvas de alta qualidade".
A Quinta do Moinho tem actualmente três hectares de vinha Syrah, quatro de Aragonês, um de alicante Bouschet e dois hectares de Viognier. E Cliff Richard não dramatiza: "O que digo aos meus amigos é: ‘vocês têm de experimentar, podem não gostar, somos todos diferentes, mas se não gostarem pelo menos usem-no para fazer molho".
Pragmático e descontraído, vive os três meses de Verão em Portugal e o resto do ano entre os Barbados e Inglaterra, não abdica de jogar ténis três vezes por semana e andar a cavalo. Nem nunca desistiu da sua carreira musical. Prova disso é o seu último disco " Soulicious - The Soul", que lançou em Outubro passado, e os projectos que tem para os próximos tempos: "estou a planear uma ‘tournée' em Fevereiro, Março e Abril, pela Austrália, Nova Zelândia, Sudoeste Asiático e provavelmente India e Israel. Depois no Verão do próximo ano devo ir a Nashville para gravar um álbum de ‘rock and roll', quero fazer um álbum de clássicos ‘rock', daquela música que até os portugueses vão reconhecer porque foram ‘hits' de outras pessoas".
E o vinho? Dois milhões de euros investidos (o investimento total em vinhas, adega, marketing) depois, Cliff Richard responde, descomprometido como sempre: "Bem, com o vinho apenas continuaremos a tentar vendê-lo e a fazê-lo bem", diz o cantor agricultor que garante não querer produzir em massa. "Somos uma espécie de boutique, não somos produtores em larga escala, não fazemos milhões de garrafas, fazemos no máximo cerca de 200 mil garrafas por ano. E estamos bem assim".
O ícone musical dos anos 50 e 60
Cliff Richard continua a ser o ícone da Adega do Cantor - aliás, quando está em Portugal não é raro vê-lo a tratar das vinhas -, mas é também o símbolo vivo da geração musical britânica dos anos 50 e 60. O artista, que migrou do ‘Rock and Roll' para um género mais próximo da ‘Pop', deixa para trás um percurso feito de êxitos desde 1958, época em que começou a ganhar popularidade. Entre os maiores sucessos contam-se os temas "Congratulations" (1968), "Devil Woman" (1976) ou "We don't talk anymore" (1979). Cliff Richard já vendeu até hoje perto de 250 milhões de discos e continua com projectos na área da música para ocupar os próximos anos: uma ‘tournée' de três meses no início do próximo ano, e a gravação de um albúm de clássicos do ‘Rock' são apenas algumas das tarefas que já estão agendadas.
Trabalho publicado na edição de 20 de Junho de 2012 do Diário Económico
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